segunda-feira, novembro 01, 2010

Arte Efémera

A arte que derrama as alegorias que a nós estão inerentes, é uma carimbo da nossa transcendência. A estética diz-nos que a arte é uma mimesis da natureza, sem ela, esta não existiria. Consumimos a arte como revelação de nós próprios, na essência que se assume na nossa identidade, e fazemos dela, objecto de prazer visual.

A sociedade actual é um rol de vivências, onde a dissipação se figura no presente. Os valores que se incutiam no passado, não se transmitem às gerações vindouras, criando-se uma linhagem que se distancia dos seus antepassados.

A arte efémera revela-se de imediato no processo que vigora e enfatiza as circunstâncias correntes.

O rasto que deixamos, ou jaz na terra de onde surtimos, ou simplesmente se evapora sem deixar um laivo da nossa existência.


quinta-feira, outubro 28, 2010

Laivo



Um surto que se esvai num frémito perene, alcança a suavidade de um beijo teu.

Sobre as trépidas oscilações do fomento da paixão, abraço o teu regaço.

Rogo pela protecção escarnecida, que Vénus não faça do meu trilho a sua imaginária loucura que me tormenta.

Que o teu dorso seja o morro da minha paixão.

domingo, outubro 24, 2010

Mad Men





Despidos num bar de origens promiscuas avultadas, o regresso ao passado de conquistas inglórias povoava aquele espaço.
O resvalar dos olhares, a bebida quente, a conversa mantinha-se.
O acrescer que se emergia na vontade do toque retorquiu.
O mad man desapareceu, restou a música, e a companhia que destilava sobre a cidade luz.

terça-feira, agosto 03, 2010

Julieta


Sois vós que me trazeis a aurora?
O amor latente, que reside encalhado no âmago entristecido?
Ora se as palavras conduzissem até vós um breve suspiro meu,
O vazio pungente, o surto da loucura esvai nas mãos de Julieta.

quinta-feira, maio 20, 2010

Untitled



Canta Calimero, que o povo rompe-se na sofreguidão, almejando a cegueira derramada.
Surtos esporrados despojam os corpos enfraquecidos.
Onde está a nossa seiva?
Obscurecidos pela triangulação, adormecidos pela consternação
Mendiguemos pela luz que não ofusca.
A esquadria não faz a mestria.
A razão é soberana.

terça-feira, dezembro 15, 2009

Conto: Enquanto a vida solta um suspiro

Nobody loves me, is true. A música paira nos meus ouvidos, a voz da Beth Gibbons adoça esta triste constatação

Percorro a calçada do Príncipe Real, encontro-te submersa numa vitrina que espelha Lisboa em palavras.

Olho-te por essa janela indiscreta onde repousa uma garrafa de vinho vazia sobre a mesa, e as tuas mãos que beliscam a caneta. Questiono-me o que estarás tu a escrever?! As memórias sobre o Tejo num intenso véu vespertino?

Vagueio na imagem que me prendeu o olhar solto na mulher dos lábios vermelhos.

A tua beleza é refém desta mostra de vidro que nos separa.

Imagino de que cor será o traço das linhas divergentes, na criação da senda dos teus sonhos.

Julgo-me incapaz de absorver tamanha beleza. Trindade responde ela ao meu chamado.

Só eu a vejo, como se uma tela a cheirar a fresco ponteando a frescura bucólica da manhã.

Deixo-lhe recados sobre a mesa quando se ausenta para almoçar, escritos de Al Berto que se estendem nas paredes.

Não lhe dou pistas de quem eu sou, retraio-me na minha morada abraço a continuidade do meu refúgio.

Hoje remeto-lhe o seguinte enigma: “Em Nome da Rosa. Encontrarás a luz que tanto anseias. No retardar da recolha da noite procura a esquadria.”

Destacando cada palavra que lhe deixei, começa a analisar estas, e conjuga-as de forma a se descodificarem em algo físico.

- Hum, ‘Em Nome da Rosa’, parece-me ser o meeting point – pensa Trindade em voz falta franzindo o sobrolho.

- Luz, símbolo alegórico de conhecimento e de iniciação.

-E por último, a esquadria que se reporta para um instrumento: o esquadro. – Ora bem, o esquadro poderá ser um ícone indicativo do espaço onde me parece ser o meeting point.

Trindade começa a questionar-se o porquê deste enigma, fazendo relações hipotéticas com a sua pessoa.

Os dias fazem-se distantes e soturnos, o frio embarga a cidade iluminada, Trindade prepara-se para o fim-de-semana que se adivinha. Sexta-feira 13.

Trindade formou-se em Peritagem de Arte para continuar o negócio de alfarrabistas e antiguidades de família. Cronista e jornalista. Regressa a Lisboa, sua cidade natal, após quatro anos de ausência.

Hoje faz trinta e três anos, preparei-lhe uma surpresa silenciosa. Espreito-a sobre a esquina escondida, desejando-a como amante para o resto da vida. A sua tez pálida contrasta com o olhar adornado pelo rímel, esvoaçando as pestanas que a trariam até mim.

À sua porta, ela repara que lhe deixei mais um enigma, o último: À entrada do templo, néofita vê a luz. O sol impera sob a esfinge, ao subir da lua, o triângulo completará o seu terceiro elemento.

Estas mensagens passam a ser óbvias para Trindade, no entanto, ela não sabe quem a irá receber.

Ignorando o significado destas mensagens secretas, parte para o Bairro Alto. Sobre a alçada dos trilhos outrora percorridos, este bairro transpira Trindade. As entradas das portas desconhecidas eram o seu sofá. Deleitando-se a observar as gentes animadas de copo em copo a percorrer rua acima, rua abaixo, a discoteca bairrista, tornava-se um poço sem fundo de histórias vividas.

Os seus amigos estranharam o seu olhar ausente. Algo a perturbava, as mensagens tilintavam na sua cabeça. A curiosidade apodera-se dela, e decide ir ao encontro do seu mensageiro.

- Lamento a minha ausência mas a lua não espera por mim, diz Trindade aos seus amigos.

Trindade sabe onde dirigir-se, à rua do Grémio Lusitano. O templo aguarda pela sua chegada.

À entrada do templo reconhece o esquadro na porta, que integrava o escrito do primeiro enigma. Surjo-lhe. Esboça uma expressão atónita de quem não estava a espera que fosse eu o seu emissário secreto.

Trindade e eu, não vivemos um romance, mas aspirámos os mesmos ideais e valores, que se compreendiam na nossa existência.

Conhecemo-nos antes da sua viagem para Atenas, onde residiu durante quatro anos. A sua partida inesperada, ressequiu os laivos da paixão que em nós se romperam a cada instante partilhado num olhar.

- Gonçalo! Mas… não entendo…

- Calma Trindade.

O seu discurso hesitante e perplexo deixou de o ser quando lhe pego na mão, e entramos no templo.

Afinal os desejos mantinham-se e o que nos unia será sempre o elo que nos fará caminhar na mesma direcção.

Fui o responsável de introduzir Trindade na luz que ela tanto esperava alcançar, a noviça fez-se entrar no templo.

Daqui em diante seguiremos rumos convergentes, embora sobre os mesmos princípios, ela será acolhida no seio feminino.

Afinal, foram beijos perdidos. Enquanto a vida se refaz num breve suspiro, retira o fôlego daquele que provou um instante teu.